Especial Eddie Van Halen: os solos, as guitarras, o mito
A banda Van Halen é uma das mais lendárias do rock pesado. De fato, a jornada foi longa, brilhante e produtiva. Nem mesmo egos inflados, vícios em drogas, conflitos de personalidade, diferenças musicais são fatores capazes de minimizar uma gota da relevância desse quarteto que surgiu em Pasadena, Califórnia, em algum momento dos anos 70.
O grande mentor do grupo sempre será Eddie Van Halen, um músico que dispensa qualquer apresentação. Todavia, me arrisco a dizer que EVH está para a história guitarra, assim como Ayrton Senna está para a Fórmula 1: ambos tiveram antecessores lendários, mas inauguraram novas eras em seus respectivos campos de atuação.
O texto de hoje é todo dedicado ao legado e aos fãs desse guitar hero tão singular. Vamos relebrar algumas músicas, comentar algumas curiosidades e celebrar a memória de um talento que já deixa uma impagável saudade…
Top 7: os melhores solos de Eddie Van Halen
O que pode ser mais complexo do que pensar numa lista de solos de um guitarrista que simplesmente mudou a história da guitarra? Talvez, refilmar a primeira parte de O Poderoso Chefão com os mesmos poucos recursos e mesma elegância?
Desde já, meu amigo e minha amiga, peço desculpas se o som que você mais curte não entrou neste top.
Neste ponto da nossa conversa, vamos apenas comentar sobre 7 das incontáveis obras que Eddie Van Halen criou.
Euruption
1 um minuto e 42 segundos de notas executas com precisão cirúrgica. É como se fosse aquele lendário gol que Maradona marcou contra a Inglaterra, na Copa de 1986, depois de driblar até a Rainha Elizabeth. Perfeição, simples assim. Genialidades esportivas à parte, vamos voltar à música 😛
A primeira metade de Euruption uma grandiosa sequência de notas tocadas em alta velocidade. Na sequência, Ed “apaga o fogo com gasolina” e desencadeia uma série de tríades de notas que ele soa usando a técnica two hands – “como ter um sexto dedo em sua mão esquerda”, disse ele. É uma porrada sonora hipnótica, viva e orgasmática. A partir dali, uma ponte para o futuro da guitarra foi erguida.
Panama
O solo é de Panama é apropriadamente acelerado, com paradas duplas – inspiradas em Chuck Berry – que aceleram em uma série de licks de tapping. E o guitarrista não parou por aí: EVH parou sua Lamborghini 1972 perto do estúdio, entrou na sala de gravação e gravou o ronco do motor.
Mine All Mine
Mesmo Sammy Hagar sendo um cantor de hard rock de arena, a entrada dele coincidiu com uma guinada no som da VH. A pegada ficou menos blues, mais melódica e menos pesada. Era quase uma banda de AOR [culpa das camadas de teclado, talvez?]. De um jeito ou de outro, o guitarrista ainda tinha alguns truques virtuosos na manga! Em Mine All Mine, por exemplo, ele não deixou os fãs se esquecerem quem era o cara das palhetadas alternadas e dos acrobáticos tappings com as duas mãos.
Drop Dead Legs
Eis um lado B do VH! Além de riffs sincopados, no melhor estilo AC/DC, e algumas frases e licks anormais para um guitarrista comum, Drop Dead Legs tem um solo que é a materelização musical do improviso no hard rock. “O solo foi muito inspirado no trabalho de Allan Holdsworth [herói do fusion] “, disse Ed . “Eu tocava o que queria, como jazz – um monte de notas erradas aqui e ali – mas parecia funcionar”, completou. Sim: o cara misturou ideias dos irmãos Young com jazz fusion.
Jump
O single que trouxe diferentes públicos para o VH, senhoras e senhores. Quando surgiu, no entanto, Jump foi desprezada pelos outros caras da banda. Persistente e dono da bola, Eddie deu um jeito de uma de suas linhas de guitarra mais sucintas e bem construídas e um arrebatador solo de teclados. Era algum momento da primeira metade dos anos 80. E o que Eddie fez? Aplicou habilidades técnicas na new wave e deixou o rock pesado mais colorido e divertido.
Right Now
A mais pop das faixas do diso F.U.C.K tem um arranjo incrível! Executado em oito compassos, o solo de Right Now é um desfile de harmônicos com licks e frases melódicas e palhetadas. Combinando com a letra mais socielamente engajada, essa música até hoje toca bastante em algumas rádios.
China Town
Com ecos de Romeo Delight, faixa do álbum Women and Children First, a robusta China Town é um dos momentos de criatividade lúdica de EDV. Os solos contam com manipulações de “relincho de cavalo” e mergulham num looping de guitarra e baixo tocando frases em uníssono que desencadeiam uma melodia realmente inesquecível.
Menções honrosas: Ain’t Talkin About Love, Humann Being, Cathedral, Love Is Walk In, Beat It (sim, do Michael Jackson), Ice Cream Man, Dreams, Somebody Get Me a Doctor, Spanish Fly e mais um sem-número de obras antológicas.
Eddie Van Halen, um cientista das guitars
Por uma série de motivos, o Van Halen só veio ao Brasil uma vez. Os shows foram em 1983, pouco antes de entrarem em “euruption” e encerrarem a primeira era da carreira.
Por mais que tenhamos crescido vendo o VH nos vídeos, os equipamentos usados por Eddie sempre chamaram atenção – principalmente dos músicos mais dedicados e aspirantes a guitar hero ou virtuoso.
Listar toda a parafernália que o cara usou, é tarefa quase impossível. Seria necessário escrever um roteiro de filme ou até mesmo uma enciclopédia. Logo, a solução é apreciarmos algumas das guitarras, amplificadores e pedais mais icônicos que o mestre usou.
Are you ready?
Guitarra Frankenstein ou Frankenstrat
Pensa na equação: um corpo de Stratocaster, com ponte Floyd Rose + um braço genérico da Fender + um captador humbucker de uma guitarra Gibson (alguns afirmam que era de uma Flying V) + um potenciômetro de volume + fitas adesivas. Foi com esse tanto de peças avulsas que Eddie Van Halen construiu sozinho sua primeira guitarra. “Algumas pessoas chamam de ‘Frankenstein’ … eu chamo de meu bebê”, disse ele sobre a lendária guitar.
Quando questionado, pelo Guitar World, sobre a construção da Frankenstein original, ele disse que tudo aconteceu em “Foi em 1974. Se você notar que nas fotos antigas havia um adesivo da Gibson … que era a coisa perfeita. O que eu estava tentando fazer era um híbrido, cruzar uma Gibson com uma Fender. Eu era um duro, cara, e a guitarra que eu queria tocar não existia. E foi tudo bem simples: o corpo me custou $ 50, e o braço me custou $ 80”.
Posteriormente, as parcerias deram upgrades na guitarra – o braço, por exemplo, passou a ser fabricado pela Kramer. Consequentemente, a também chamada Frankenstrat ganhou réplicas perfeitas [incluindo as lascas e queimaduras de cigarro] e reedições especiais para fins comerciais.
Charvel Hybrid VH2 Bumblebee
Para o segundo disco, e consequentemente a segunda tour do Van Halen, Eddie fez outra guitarra. Bastante semelhante ao modelo Frankenstein, a Charvel Hybrid VH2 Bumblebee surgiu mais envenenada. O ano? Bem…era 1979 😉
A pedido do músico, Charvel elaborou uma carcaça estilo strato que coubesse todos os componentes eletrônicos na parte traseira – eliminando a necessidade de um pickguard (escudo). Para dar um toque final, ele mesmo pintou o corpo de amarelo e fez o design das fitas adesivas.
Por sua vez, a captação foi mais procedimento cirúrgico de sucesso realizado por EVH. Abaixo, no esqueminha, você confere a traquinagem que o cara armou:
- Usou um humbucker DiMarzio
- Substituiu o ímã desse captador ,por um de um PAF Gibson
- Enrolou tudo à mão
- Mergulhou o captador em um pouco de cera de parafina
- Colocou a fita de cobre ao redor dos enrolamentos.
Essa guitarra foi enterrada ao lado do corpo de Dimebag Darrell, guitarrista do Pantera, em 2004. Dimebag, como a gente não pode esquecer, foi brutalmente assassinado durante um show.
Ao longo de sua longeva carreira, Eddie Van Halen elaborou e/ou tematizou vários outros modelos de guitarra. Assim como nos discos, os instrumentos apresentaram texturas, cores e sabores diferentes.
Amplificadores e efeitos
Eddie costumava dava menos importância para efeitos, mas priorizava os amplificadores. De acordo com o site Van Halen Fã-Clube, sua técnica era utilizar velhos amplificadores Marshalls, ligados com um Variac, (que é uma espécie de transformador que altera a voltagem que alimenta o amplificador). Entre as décadas de 1970 e 1990, Eddie usou extensivamente o Marshall Plexi 1959SLP 100 W.
A partir da década de 90, a Peavey e a Com a sua empresa EVH Gear começaram a fazer os cabeçotes 5150. Todos os botões giravam normalmente em 10, exceto o reverb. Normalmente usa-se 100 watts, e os 50 watts eram backups. Desde etnão, o guitarrista passou a tocar com uma parede de amplificadores EVH.
5150!!! pic.twitter.com/kBajDjNhkm
— Eddie Van Halen (@eddievanhalen) June 22, 2013
Em parceria com os engenheiros da Fender, o guitarrista desenvolveu uma pedaleira com seus principais efeitos, incluindo Wah, Phaser, Flanger, Eco e Chorus. Veja uma foto do pedalboard que ele usou na tour de 2012.
Um equipamento maravilhoso, precisa de um operador genial. E disso, Eddie entendia muito bem 😉
Morre Eddie Van Halen
Terça-feira, 6 de outubro de 2020: a música ficou de luto. O guitarrista Eddie Van Halen morreu, nesta data, vítima de câncer na garganta, aos 65 anos. Van Halen lutava contra a doença há várias décadas.
A notícia foi confirmada pelo filho de Eddie, Wolfgang Van Halen, via Twitter.
Não acredito que estou tendo que escrever isso, mas meu pai, Edward Lodewijk Van Halen, perdeu sua longa e árdua batalha contra o câncer essa manhã
— Wolf Van Halen (@WolfVanHalen) October 6, 2020
Em outubro de 2019, Eddie Van Halen fez várias viagens entre os Estados Unidos e Alemanha para realizar sessões de radioterapia. Na mesma época, o vocalista Davi Lee Roth deu pistas sobre o estado de saúde de Eddie impedir a banda de ir para a estrada.
Quando perguntado sobre a tão comentada turnê que o Van Halen faria em estádios americanos, o artista respondeu de forma desanimadora: “Isso foi cancelado várias vezes e penso que a banda acabou – e que essa é a próxima fase”, disse. O último show deles, inclusive, aconteceu em 2015, em Los Angeles, pouco depois do lançamento do disco Tokyo Dome Live in Concert.
Ao mestre, com carinho…
EVH foi um guitarrista inovador, inventor e renovador. Sua morte representa uma lacuna impossível de ser preenchida no universo das guitarras. Felizmente, no entanto, a contribuição dele foi bastante celebrada em vida. Seus riffs, solos, técnicas e composições, sempre foram aclamados como pedras angulares da eterna construção que o rock.
Com seus 12 álbuns de estúdio e dois ao vivo, Eddie ajudou a fazer do Van Halen uma das bandas mais influentes do hard rock. Graças ao guitar hero, o VH foi uma banda que soube equalizar o apuro técnico incomum com sonoridade melódica e comercial.
RIP, mestre. Você já faz muita falta…
Gustavo Morais
Jornalista, com especialização em Produção e Crítica Cultural. Pesquisador independente de música, colecionador de discos de vinil e mídias físicas. Toca guitarra, violão, baixo e teclado. Trabalha no Cifra Club desde novembro de 2006.