Venho doutor fazer lhe uma consulta A doença que me punge e esteriliza a mocidade e o espírito Resulta de uma chaga que nunca cicatriza Sendo o mais sábio clínico do mundo Sois também um filósofo notável Do peito humano auscultador profundo Curareis este mal inexorável Que me esmaga o organismo fibra a fibra Que me enevoa o cérebro e o condensa Eu tenho um coração que já não vibra Suporto uma cabeça que não pensa Tédio mortal, tédio agoureiro Que me envenena e escurece os dias É como os beijos dados a dinheiro Numa noite de orgia Refletindo, diz o médico ao cliente O amigo tem razão! Padece realmente Contudo, a enfermidade, o morbuz que o devora É um produto fatal do século de agora Uma emoção vibrante, um abalo violento Pode curá lo, creia, apenas num momento O tédio é uma mordaz, uma total loucura É a treva interior, a grande noite escura Onde se esquece tudo: A sorte, a vida amada O nosso próprio ser, e só se lembra do nada Diga me: Alguma vez amou? Nunca em seu peito estrugiu das paixões o temporal desfeito Como a vaga do mar que se agita e escapela Ao soturno rumor do vento e da procela? Nunca doutor! Pois meu caro, procure a agitação constante Já viajou? Já visitou a Grécia? A Oceania? O Oriente, a Terra Santa Os sítios onde tudo hoje evoca e decanta As glórias de uma idade imorredoura e eterna Que amesquinha e deslumbra a geração moderna? Doutor, percorri, como o Judas O mundo é a humanidade E entre as mulheres todas Cujas bocas beijei em bacanais e bodas Mulher nenhuma eu vi sobre a Terra tamanha Que para mim não fosse uma visão estranha Como fui, voltei, sem achar lenitivo Para este mal, doutor, que assim me traz cativo Pois frequente o circo amigo A figura brejeira do famoso arlequim Que a esta cidade inteira palmas e aclamações constantemente arranca Talvez, sim, lhe restitua a gargalhada franca Vejo agora que o meu mal está perdido O truão de que falas, o palhaço querido Que anda no coliseu assim tão aplaudido Tem um riso de morte, um riso mascarado Que encobre a dor sem fim do tédio e do cansaço Sou eu, doutor, sou eu este palhaço!